14

February

2018

Uso da Imunoglobulina Humana em falha de implantação após ciclos de reprodução assistida

‍Um grande mistério ainda na medicina reprodutiva, apesar de exaustivamente estudado, é o fato de o organismo materno permitir a implantação do embrião no útero.

Introdução

Um grande mistério ainda na medicina reprodutiva, apesar de exaustivamente estudado, é o fato de o organismo materno permitir a implantação do embrião no útero. A chamada de tolerância imunológica é fundamental para uma gravidez bem sucedida, fazendo o sistema imunológico materno manter um equilíbrio entre defesa e acomodação em relação ao embrião e determinando os mecanismos imunológicos para reduzir a imunogenicidade do blastocisto e alterar a resposta imune materna, promovendo a implantação e a manutenção da gravidez (2).Os principais determinantes do sucesso de uma fertilização in vitro (FIV) incluem a receptividade endometrial, qualidade embrionária, número de embriões transferidos e idade materna (2).Segundo registro das estatísticas da Canadian Art Registry (CARTR) as taxas de sucesso da FIV baseiam-se na taxa geral de nascido vivo, em torno de 30% por ciclo iniciado, onde 16,7% das falhas são explicadas por alterações anatômicas, anormalidades endócrinas e cromossômicas, com alto percentual de falhas consideradas inexplicadas (1).Para muitas dessas falhas "inexplicadas" após FIV a causa imunológica vem sendo estudada em busca de novos tratamentos eficazes. As anormalidades da imunidade celular são frequentes em mulheres com falhas reprodutivas, dentre elas níveis elevados de células Natural Killer (NK) periféricas e deciduais, alteração da resposta T–Helper 1 (Th1) predominando sobre a T-Helper 2 (Th2) e a alta citotoxicidade das células NK(1).Dentre os fatores imunológicos que exercem papel importante no sucesso da implantação do embrião, estão às células NK. As células NK, presentes na decídua, que expressam CD56 e CD16 foram associadas com o sucesso da implantação. Uma deficiência destas células CD16 na decídua e uma elevação das células CD56 circulantes têm sido observadas em mulheres com falhas em ciclos de FIV (7,8). Estudos demonstram que 84% das pacientes com duas ou mais falhas de implantação em FIV apresentam algum tipo de problema imunológico (4).Apoiado nesta evidência imunológica surge o uso de terapias adjuvantes durante ciclos falhos de FIV acrescentando como novas opções terapêuticas para casais nos quais a anormalidade do sistema imunológico materno seja a principal causa de infertilidade ou falha na implantação (6,7,8).Desenvolveu-se então a hipótese de que o bloqueio da atividade destas células NK e a imunomodulação da tolerância imunológica poderiam aumentar as chances de gravidez em falhas de implantação após FIV, e assim reduzir riscos de aborto.Para isto foram testadas várias formas de tratamento, sendo a mais conhecida a Imunoglobulina Humana. Constituída por uma preparação de Imunoglobulina G monomérica encontrada no sangue humano que tem sido utilizado para o tratamento de imunodeficiências por mais de 50 anos, aplicada intravenosa com doses selecionadas de acordo com idade e peso, durante o ciclo de fertilização e após gestação confirmada (1).Como mecanismos de ação das imunoglobulinas destacam-se o papel anti-infeccioso, anti-inflamatório e com propriedades imunorreguladoras. Corrigindo a relação Th1/ Th2 anormal, aumentando a produção de anticorpos células T reguladoras e inibindo a atividade celular citotóxica das células NK periféricas com finalidade de melhorar a taxa de implantação e manutenção de uma gravidez com o seu uso (8).Ensaios controlados vêm sendo realizados para avaliar a eficácia do uso da Imunoglobulina Humana nestas mulheres com falhas reprodutivas. Dessa forma, determinando se haveria alguma evidência científica para apoiar o uso rotineiro dessa terapia adjuvante em mulheres com falhas de implantação após procedimentos de reprodução assistida, com finalidade melhorar a taxa de natalidade viva por embrião (2,3).

Objetivo

Avaliar o efeito do uso da Imunoglobulina Humana endovenosa nas taxas de implantação em mulheres com falhas de implantação em ciclos de reprodução assistida.

Métodos

Trata-se de uma revisão de estudos na base Medline, por intermédio do PubMed.

Resultados

Segundo recente Guidelines da Sociedade Coreana de Imunologia Reprodutiva recomenda-se o tratamento intravenoso com a Imunoglobulina Humana em mulheres com perdas gestacionais recorrentes e falhas de implantação após FIV que demonstrem fatores imunocelulares como níveis anormais das células NK em sangue periférico (padrão acima de 12 a 18% de células). Neste estudo validaram com nível evidencia B o uso da imunoglobulina intravenosa em mulheres com falhas de implantação que apresentaram anormalidades imunológicas, não evidenciando o uso nas mulheres com falha de implantação sem avaliação imunológica (1). Em outra revisão sistemática e metanálise analisando 10 estudos observou-se eficácia aumentada com o uso da Imunoglobulina Humana como opção no tratamento em falhas de implantação após FIV e infertilidade inexplicada, entretanto este estudo apresentou um viés, incluindo mulheres com e sem anormalidades imunológicas (2,8). Metanálise realizada por Clark et al, avaliando três estudos randomizados apresentando resultados significativos com aumento na taxa de nascido vivos (p= 0,012) em mulheres com falha de implantação após FIV (3). Entretanto, alguns ensaios são controversos: um estudo canadense randomizado controlado, avaliando 51 casais com falhas de implantação sem causa aparente e que foram submetidos ao uso da imunoglobulina no dia ou 72 horas antes da transferência embrionária e após a gestação confirmada, na dose padrão de 500mg\kg, não observaram efeitos sobre a taxa de nascido vivos - 15% em relação aos controles de 12% (p=0,52) (5). Polanski et al, em outro ensaio não observaram evidência científica para confirmar o uso das terapias adjuvantes imunomoduladoras em mulheres com níveis anormais de células elevados NK com finalidade de aumentar as taxas de nascidos vivos após ciclos de reprodução assistida, ressaltando ainda a questão da dose ideal estabelecida e o momento da aplicação da imunoglobulina, não definida com evidências em nenhum estudo randomizado (4). Proponentes desta terapia adjuvante argumentam que os efeitos destas medicações teriam o potencial de prejudicar o sistema imunológico em direção a uma resposta mediada por Th2 ao diminuir o efeito citotóxico Th1, podendo desencadear algumas consequências ruins em longo prazo (9).

Conclusão

As evidências atuais são suficientes para a confirmação de que o uso da Imunoglobulina Humana endovenosa aumentou as taxas de implantação e as taxas de gravidez e nascidos vivos em mulheres com fator imunológico associado, principalmente com elevação das células NK circulantes e que tiveram história prévia de falha em ciclos repetidos de FIV\ICSI. Estudos devem ser realizados na tentativa de aumentar as chances da FIV com o uso de drogas imunomoduladoras, no caso a Imunoglobulina Humana, seja em ciclos com falha de implantação inexplicada ou em ciclos iniciais de FIV. A administração de imunoglobulina mostra-se promissora nos tratamentos de falhas de implantação em reprodução assistida, pois resultados sugerem fortemente ser uma opção de tratamento útil para pacientes com falha de fertilização in vitro comparada ao placebo. No entanto, os ensaios não atingiram significância estatística para a taxa de nascidos vivos por embrião transferido. Os estudos existentes são heterogêneos quanto ao desenho, métodos, tipo de intervenção e população estudada, dificultando a interpretação da eficácia. Assim, precisamos de um número maior de ensaios randomizados controlados para confirmar estes resultados.

Referências bibliográficas

1-Nayoung S, Ae Ra Han, C W P et al. Intravenous immunoglobulin Gin women with reproductive failure: The Korean Society for Reproductive Immunology practice guidelines. Clin Exp Reprod Med, 2017; 44(1):1-7.

2-Li J, Chen Y et al. Intravenous Immunoglobulin Treatment for Repeated IVF\ICSI failure and Unexplained Infertility: A Systematic Review and a Meta-Analysis. American J Immulogy, 2013; 70:434-447.

3- Clark DA, Coulam CB et al. Is intravenous immunoglobulins efficacious in early pregnancy failure? Journal of Assisted Reprod and Genetics, 2006; 23(1)1-13.:

4- Polanski LT, Barbosa MAP et al. Interventions to improve reproductive outcomes in women with elevated natural killer cells undergoing assisted reproduction techniques: a systematic review of literatures. Human Reproduction, 2014; 29(1):65-75.

5- Stephenson MD, Fluker MR. Treatment of repeated unexplained in vitro fertilization implantation failure with intravenous immunoglobulin: a randomized, placebo- controlled Canadian trial. Fertil Steril, 2000; 74:108-13.

6- Ramos- Medina R, Garcia –Segovia A et al . Experience in IVIG therapy for selected women with recurrent reproductive failure and NK cell expansion. Am J Reprod Immunol, 2014; 71:458-466.

7- Coulam CB, Goodman C. Increased rates after IVF\ET with intravenous immunoglobulin treatment in women with elevated circulating CD56 cells. Early Pregnancy, 2000; 4(2): 90-98.

8- Morau M , Carbone J et al. Intravenous immunoglobulin treatment increased live birth rate in Spanish cohort of women with recurrent reproductive failure and expanded CD56+cells. Am J Reprod Immunol, 2012; 68:75-84.

9-Hviid MM, Macklon N. Immune modulation treatments- Is the evidences? Fertil Steril, 2017.

Publicado por
Daniela Fink Hassan Bassalobre

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